
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A reforma tributária promete simplificar o emaranhado de impostos sobre o consumo no Brasil, mas seus efeitos práticos ainda estão sendo decifrados por setores de capital elevado e de ciclos longos, como o imobiliário.
A principal mudança, segundo especialistas e entidades do setor, é a migração de um sistema cumulativo, com impostos embutidos ao longo da cadeia, para um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Entidades do setor, como a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), afirmam que se trata de uma nova lógica que tende a aumentar a transparência, mas não elimina o risco de alta de carga tributária em determinados segmentos.
Para o consumidor, os efeitos não serão imediatos. O ano de 2026 funcionará como um “ano-teste”, sem recolhimento efetivo dos novos tributos. Nesse período, as empresas deverão apenas emitir documentos fiscais para que o governo possa calibrar as alíquotas. A cobrança plena começa em janeiro de 2027.
A reforma cria um regime específico para o setor imobiliário, com redução de 50% da alíquota-padrão para a venda de imóveis e de 70% para aluguéis. Também institui um redutor social, um desconto na base de cálculo do imposto voltado a atenuar o impacto sobre a moradia. Ainda assim, o impacto final no preço dependerá do valor do bem.
Unidades de menor valor tendem a ser beneficiadas. O redutor social de R$ 100 mil aplicado à base de cálculo de imóveis novos favorece empreendimentos populares, como os enquadrados no programa Minha Casa, Minha Vida. Já imóveis de alto padrão podem registrar aumento de carga tributária, segundo estimativas do governo e do próprio setor. No caso dos aluguéis, além da redução maior de alíquota, haverá um redutor social mensal de R$ 600 por imóvel.
Uma das promessas centrais da reforma é eliminar os chamados impostos “escondidos”. Hoje, tributos incidentes sobre insumos como cimento, aço e serviços se acumulam ao longo da obra e acabam embutidos no preço final, sem clareza para o comprador. Com o IVA, esses valores passam a gerar créditos tributários que podem ser abatidos do imposto devido na venda ou na locação.
Para o auditor fiscal Jefferson Valentin, autor de obra sobre a reforma tributária nos imóveis, a mudança traz cidadania ao permitir que o comprador saiba exatamente quanto está pagando de imposto no preço final do imóvel.
Além disso, espera-se um aumento na eficiência da construção, incentivando a industrialização e o uso de pré-moldados, que, hoje, são penalizados pela cumulatividade.
Empresas de construção modular e off-site do setor veem na reforma uma oportunidade para ampliar o uso de tecnologias. A Dexco, por exemplo, afirma que a redução da cumulatividade e a possibilidade de aproveitamento de créditos tributários criam um ambiente mais favorável para a adoção de métodos produtivos mais próximos aos da indústria.
Segundo Ricardo Mateus, CEO da Brasil ao Cubo, a construtora desenvoleu uma linha de montagem que permite entregar apartamentos prontos em até 60 dias -até cinco vezes mais rápido que o método convencional-, com 83% menos desperdício de materiais e 80% de redução no consumo de água.
No mercado de imóveis usados, a preocupação foi evitar a bitributação. A reforma criou o chamado redutor de ajuste, que permite descontar do cálculo do IBS e da CBS o valor de aquisição do imóvel e tributos já pagos, como o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Dessa forma, o imposto incide apenas sobre a valorização ou a margem da operação, não sobre o valor total do bem.
Outro ponto sensível é a incorporação imobiliária. Atualmente, grande parte das empresas adota o Regime Especial de Tributação (RET), que unifica impostos em uma alíquota reduzida sobre a receita. Com a reforma, esse modelo deixa de existir como hoje. O novo regime prevê alíquotas inferiores às gerais, mas, em muitos casos, superiores à carga efetiva atualmente praticada.
Entre 2027 e 2028, haverá um período de transição no qual as empresas poderão optar entre o novo regime e permanecer no modelo atual (RET), mas sem direito a créditos tributários. Segundo a Receita Federal, as regras detalhadas de como esses cálculos serão feitos na prática ainda dependem de normas que devem ser editadas até o final de 2025.
Para a Abrainc, a reforma pode trazer mudanças mais em relação ao modelo de construção, sendo que a construção industrializada pode ganhar mais espaço.
“Com certeza vai vai trazer novas complexidades em relação à apuração de custos de obra. Vai depender muito de como os fornecedores vão absorver os novos tributos, porque, como a gente está falando de uma tributação não cumulativa, o tributo vai deixar de ser componente do custo. Isso vai dar mais transparência e mais competitividade na compra de insumos”, afirma Fernando Guedes Ferreira Filho, presidente-executivo da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção)
Estudos do setor indicam que, sem ajustes na regulamentação, a carga tributária pode aumentar sobretudo em empreendimentos voltados à classe média. Em um mercado em que o preço é altamente sensível ao crédito e à renda, qualquer aumento tende a ser repassado ao comprador final, ainda que de forma diluída ao longo do tempo.
Há, por outro lado, efeitos que podem atuar no sentido oposto a médio prazo. A maior previsibilidade tributária e a redução de disputas judiciais tendem a reduzir o custo de capital das incorporadoras, facilitando o lançamento de projetos e ampliando a oferta. Com menos incerteza, projetos podem sair do papel com mais facilidade, ampliando a oferta.
“A reforma tributária está aprovada. Agora é para regulamentar o mais rápido possível para que as empresas possam cumprir a reforma. Não tem muito o que mitigar. No tempo, no futuro, uma maior industrialização do setor pode trazer uma diminuição da carga com relação à nova carga, mas é tudo muito incerto ainda”, afirma Ely Wertheim, presidente executivo do Secovi-SP (sindicato de imobiliárias e incorporadoras).
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Fonte:Notícias ao minuto


