(FOLHAPRESS) – Para o pesquisador chinês Zichen Wang, que acaba de voltar de uma pós em Princeton, nos Estados Unidos, o líder Xi Jinping e o presidente Donald Trump podem fechar um acordo até o início de novembro, coincidindo com a viagem do americano à Ásia –e à própria China.
Incluiria a compra de produtos agropecuários dos EUA, concorrendo com produtos brasileiros. É um temor do agro nacional desde a eleição de Trump. Em seu primeiro mandato, ele fechou um acordo com Xi para ampliar as vendas de soja.
Para Wang, a recente declaração do líder chinês em defesa da “autossuficiência do Sul Global”, em conversa com o presidente Lula, não indica afastamento dos EUA. “Os países fora do Sul Global são os mais ricos do mundo, mercados consumidores muito grandes”, justificou.
A seguir, trechos da entrevista, realizada no think tank Centro para China e Globalização, em Pequim.
Folha – Trump acaba de dizer que a China poderia comprar quatro vezes mais soja dos EUA. O senhor acredita que há chance real de um acordo mais amplo entre China e EUA? E quanto isso afetaria os parceiros chineses entre os emergentes?
Zichen Wang – Fala-se bastante sobre o chamado grande negócio [grand bargain], mas ninguém ainda especificou. Não vi, nem do lado chinês nem do lado americano, o que pode fazer parte dele. Trump falou repetidamente que acolheria o investimento chinês, mas [o secretário do Tesouro] Scott Bessent disse nesta semana que o governo não tem interesse em empresas chinesas investindo no país.
De forma mais realista, o grande negócio será uma continuação dos acordos anteriores, que incluíam a compra de mais produtos dos EUA pelos chineses. Aviões da Boeing, produtos agrícolas, incluindo carne e soja, energia, como petróleo e gás natural liquefeito. E provavelmente haverá concorrência entre a carne e a soja dos EUA e do Brasil.
Folha – Em telefonema nesta semana, Xi disse a Lula que China e Brasil podem dar um exemplo de ‘autossuficiência do Sul Global’. Quanto Pequim realmente aposta nisso?
O líder chinês costuma usar a expressão “autossuficiência” para enfatizar segurança alimentar. Ele quer que os chineses produzam alimentos internamente, se não 100%, ao menos com uma participação grande no suprimento.
Zichen Wang – ‘Devemos segurar as tigelas de arroz em nossas próprias mãos’, na frase conhecida usada por ele.
Sim, exatamente. O que ele estava procurando dizer agora a Lula é que esses países precisam tomar decisões com mais independência e enriquecer a si mesmos. Obter resultados através de sua cooperação em vez de depender do mundo mais desenvolvido.
A China importa, por exemplo, soja do Brasil. Mas o Brasil também tem capacidade industrial e é um dos principais fabricantes de aviões. O que ele quer dizer é que, à medida que esses países do Sul Global se desenvolvem, eles têm mais a oferecer entre si. E que essa é uma tendência a ser promovida decisivamente.
Folha – Politicamente, também?
Zichen Wang – Claro, o telefonema ocorreu no contexto das tarifas unilaterais dos EUA, tentando interferir na política interna, no Supremo Tribunal Federal. Aquilo foi uma grande intimidação. Esses países que atualmente estão sendo intimidados, com o cenário internacional mudando tanto, deveriam trabalhar mais entre si.
Folha – Mas a China também está negociando com os EUA. Nesse contexto, isso é viável? Os países do grupo Brics, Brasil e Índia, que são os principais alvos de Trump neste momento, podem ser autossuficientes entre si?
Zichen Wang – A China há muito se considera um país em desenvolvimento, então há um legado histórico. E os [países do] Brics costumam ter populações grandes, suas economias cresceram bastante. Por outro lado, o domínio tradicional do Ocidente está diminuindo. A China está respondendo a isso e tentando liderar e moldar essa tendência.
Mas você fez uma pergunta mais precisa. A China -ou a Índia, ou o Brasil- não vê a ascensão do Brics como tudo ou nada. Não pensa que deveria reduzir seu comércio com os EUA. Os países fora do Sul Global são os mais ricos do mundo, mercados consumidores muito grandes. A China não está tentando cortar ou reduzir sua cooperação econômica com EUA, Europa, Japão. Desde a Covid, vem tentando estabilizar suas relações com todos eles.
Folha – Não há contradição nisso?
Zichen Wang – A China não vê isso como contraditório. Ela tem liderado e moldado a cooperação do Sul Global e está tentando estabilizar suas relações com o Norte Global. Pelo que ouvi nos EUA, há vozes dizendo que a China está tentando liderar um bloco para rivalizar com a aliança liderada pelos EUA. Considero isso um exagero.
Folha – Xi aceitou a conversa com Lula logo após a suspensão de 90 dias das tarifas americanas contra a China e depois que Índia e Brasil enfrentaram tarifas de 50%, deixando-os vulneráveis. Como o senhor avalia esse quadro?
Zichen Wang – A recente escalada de tensões entre EUA e Índia foi notável. O motivo mais importante é a curta guerra entre Índia e Paquistão. Ao que tudo indica, o Paquistão abateu caças indianos. E Trump gosta de vencedores, pessoas fortes. O chefe das forças armadas paquistanesas visitou os EUA duas vezes em dois meses. A Índia não está feliz com isso. Esse é um desenvolvimento bastante novo e realmente significativo entre a Índia e os EUA.
Folha – E entre a China e os EUA?
Zichen Wang – Esta foi a segunda extensão [da suspensão de tarifas] por 90 dias. Pode acontecer uma reunião entre os dois líderes. Haverá uma cúpula da Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático] em Kuala Lumpur entre 26 e 28 de outubro e uma da Apec [Cooperação Econômica Ásia-Pacífico] em Seul entre 31 de outubro e 1º de novembro. Os dois líderes estão programados para participar de ambas. Entre os dias 28 e 31, Trump estará na Ásia e poderá fazer uma escala em Pequim. Trump parece estar muito interessado em se encontrar com o líder chinês. Pode ser a reunião mais importante do mundo.
Os EUA parecem ter sido paralisados pela resposta firme da China às tarifas. A lição chinesa até agora é que precisa se manter, defender seus interesses, sua dignidade. Até agora, isso tem se mostrado eficaz, em parte porque a força da China em minerais de terras raras pode causar problemas reais para os EUA. A Índia não possui ferramentas semelhantes, então os EUA estão basicamente livres para impor tarifas de 50%.
Folha – O mesmo vale para o Brasil?
Zichen Wang – Sim. Esses países, quando tentam lidar com um presidente como esse, precisam encontrar a alavancagem que têm e que podem usar sem muito custo interno.
Uma das preocupações no Brasil é que o país acabe se tornando muito dependente da China, pelo que Trump está fazendo. A China também leva isso em consideração, que o Brasil está se tornando dependente?
O governo chinês não vê dessa forma. É inimaginável que a China ameace o Brasil, invente tarifas ou algo assim. Não vejo nenhuma razão econômica ou geopolítica para isso. A visão de mundo fundamental da China é que ela quer fazer negócios com todos.
RAIO-X
Zichen Wang, 36, é pesquisador e diretor no think tank independente Centro para China e Globalização. É formado em economia pela Universidade de Finanças e Economia de Shandong e acaba de concluir mestrado na Universidade Princeton. Publica a influente newsletter Pekingnology.a Pequim acordar em 2028 e dizer: ‘Precisamos dar uma lição aos brasileiros’.
Fonte:Notícias ao minuto